Aposentadoria e Reforma da Previdência: o preço social da contenção fiscal
Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 103/2019, conhecida como a Reforma da Previdência, o sistema brasileiro de aposentadoria passou a funcionar sob novas bases, mais rígidas e menos inclusivas. Embora a justificativa tenha sido o ajuste fiscal e a contenção do rombo previdenciário, é necessário questionar: a quem realmente serviu essa reforma

O que mudou na prática?
Antes da reforma, o trabalhador podia se aposentar por tempo de contribuição — 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres) — independentemente da idade. Essa regra permitia que brasileiros que começaram a trabalhar cedo, muitas vezes informalmente ou em condições precárias, tivessem acesso à aposentadoria ainda em condições físicas razoáveis.
Com a nova regra, a aposentadoria passou a exigir idade mínima obrigatória:
Os Homens precisam completar 65 anos de idade e 20 anos de contribuição / carência (no regime geral), pagos em dia e as Mulheres precisam completar 62 anos de idade e 15 anos de contribuição / carência, pagos em dia.
A aposentadoria por tempo de contribuição foi extinta, e a transição se deu por cinco regras diferentes — muitas vezes confusas até mesmo para a maioria dos operadores do Direito.
Para servidores públicos, as exigências também aumentaram: além da idade mínima, é necessário ter ao menos 25 anos de contribuição, sendo 10 anos no serviço público e 5 no cargo efetivo.
Dados que revelam o impacto social
Segundo dados do IBGE (2023), a expectativa de vida no Brasil é de 75,5 anos. No entanto, quando se observa a expectativa de vida saudável da população mais pobre, o cenário é ainda mais alarmante: em regiões periféricas e no Norte/Nordeste, há brasileiros que vivem apenas até os 65 anos com qualidade de vida mínima. Para muitos, aposentar-se aos 65 anos é quase um direito inalcançável.
Além disso, de acordo com levantamento da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), com base em dados do TCU, a maior parte do déficit da Previdência não está no Regime Geral (INSS), mas sim nos regimes
próprios dos altos salários, especialmente dos militares e membros do Judiciário — grupos pouco afetados pela reforma.
Outro dado relevante: segundo o IPEA, cerca de 45% dos trabalhadores brasileiros não conseguem se aposentar pela nova regra por não conseguirem manter os vínculos contínuos de contribuição, fruto da informalidade e da rotatividade no mercado de trabalho.
Exemplo prático: o trabalhador da construção civil
Um ajudante de pedreiro que começou a trabalhar aos 16 anos, contribuindo regularmente, esperava se aposentar aos 51 anos (35 anos de contribuição). Com a nova regra, ele terá de aguardar até os 65 anos. Isso, se conseguir contribuir de forma contínua durante todo esse período, o que, na prática, é raro nesse setor. Muitos adoecem antes disso. Alguns sequer vivem até essa idade.
O paradoxo jurídico e ético
A Constituição Federal de 1988 assegura como direito social a Previdência e a dignidade da pessoa humana. Ao dificultar o acesso à aposentadoria e prolongar a vida laboral mesmo para os mais vulneráveis, a reforma compromete esse equilíbrio constitucional.
O discurso de que todos precisam “contribuir mais” ignora a desigualdade estrutural. A tributação regressiva e o mercado informal tornam impossível, para a maioria, planejar uma aposentadoria digna. A “isonomia” imposta pela reforma trata como iguais aqueles que, no Brasil real, nunca tiveram as mesmas condições.
Conclusão
A Reforma da Previdência de 2019 pode ter aliviado as contas públicas a curto prazo, mas ao custo de ampliar a exclusão social. Como advogado, entendo a importância da responsabilidade fiscal. Mas também compreendo que justiça não é apenas equilíbrio orçamentário: é equidade, é reconhecimento do esforço de quem, muitas vezes, já deu tudo o que tinha ao longo da vida.
Repensar o sistema previdenciário é urgente. Mas a próxima reforma — e ela virá — deve ser feita com mais justiça social, mais escuta à realidade da população trabalhadora e menos foco em tabelas de Excel.
Dr. Angelo da Silva – Advogado – Mestre em direito nas Soluções Alternativas de Controvérsias Empresariais pela Escola paulista de Direito - EPD-SP, especialista em direito Previdenciário - Pós graduado em direito Imobiliário pela EBRADI – Pós graduado em direito e Processo do Trabalho pela EPD-SP, Pós graduado em direito eleitoral pela Dom Alberto-RS, Graduado em direito pela Universidade Paulista - UNIP Alphaville – SP – Graduado em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário ETEP, E-mail: angelodasilva.adv@gmail.com, Whatzapp: 11-9.9575-6271, com escritório no Portal dos Ipês - Cajamar – fone: 11-5194-9253.