Ausência paterna tem impacto decisivo no desenvolvimento infantil, destaca especialista do CEJAM

A presença afetiva do pai fortalece a autoestima da criança, ajuda na regulação emocional e favorece relações mais saudáveis na vida adulta

Agosto 19, 2025 - 21:30
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Ausência paterna tem impacto decisivo no desenvolvimento infantil, destaca especialista do CEJAM

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Mais de 1,4 milhão de crianças nasceram no Brasil, entre janeiro de 2016 e abril de 2025, sem o nome do pai no registro. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Somente nos quatro primeiros meses de 2025, mais de 65 mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe na certidão de ​​nascimento, o equivalente​​ a 6,3% de todos os nascimentos no país nesse período.

A ausência paterna, como mostram os números, não é apenas estatística: ela traz consequências reais para o desenvolvimento infantil. Segundo a psiquiatra Dra. Carla Vieira, do CAPS Infantojuvenil II M'Boi Mirim, unidade gerenciada pelo CEJAM (Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”) em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP), a ausência paterna seja física (por afastamento, divórcio ou abandono) ou emocional (quando o pai está presente, mas não se envolve) pode trazer impactos importantes na vida da criança, como desenvolver sentimentos de abandono, baixa autoestima e insegurança. Na adolescência, isso pode se refletir em dificuldades de relacionamento, busca por referências fora do núcleo familiar e até em quadros de depressão e ansiedade.

Filhos de pais presentes costumam ser mais sociáveis, seguros e apresentam melhor desempenho escolar. “A presença afetiva e participativa do pai em atividades como dar banho, alimentar, colocar para dormir, brincar, ajudar nas tarefas escolares ou simplesmente ouvir com atenção fortalece a autoestima, a segurança emocional e a capacidade de resiliência da criança. O que favorece, ainda, relações mais saudáveis na vida adulta”, explica​​.​​​​​​

A paternidade ativa também contribui diretamente para a saúde mental da mãe: “Isso reduz a sobrecarga e o risco de depressão pós-parto. Os benefícios começam já na gestação. Pais que se envolvem desde as consultas médicas e interagem com o bebê ainda na barriga constroem laços afetivos mais sólidos”, esclarece Dra. Carla. 

 

Apesar de avanços nos últimos anos, ainda há desafios importantes. “Nossa geração está mais consciente da importância da paternidade ativa. Muitos pais desejam ser mais presentes e participativos, ir além do papel de provedores. Querem ser cuidadores, educadores, amigos. Isso beneficia a criança, a mãe e o próprio pai, que descobre uma nova fonte de realização”, afirma a psiquiatra.

No entanto, barreiras culturais e estruturais dificultam esse processo. “A visão tradicional de masculinidade que associa o homem ao trabalho e à provisão financeira e não ao cuidado, ainda é muito forte, a falta de políticas públicas como licença-paternidade estendida, debates sobre a dificuldades da paternidade e o despreparo emocional ainda são entraves importantes”, ressalta. 

O cuidado com a saúde mental do pai também é fundamental para promover um ambiente familiar equilibrado e saudável. Pois, ​​conforme​​ a especialista, pais que se cuidam emocionalmente, tendem a ser mais empáticos, pacientes e afetuosos. Qualidades essenciais para o desenvolvimento pleno dos filhos e o bem-estar de toda a família.

Mas, é importante ressaltar que vínculos afetivos de qualidade com avós, tios, professores ou mães solos também podem suprir carências emocionais na falta da figura paterna. “A qualidade do vínculo é mais importante do que o papel social ou o gênero de quem cuida”, enfatiza Vieira.

Para quem deseja iniciar uma jornada mais ativa no relacionamento com os filhos, a dica é assumir pequenas responsabilidades no dia a dia​​ e​​ criar momentos únicos com a criança​​.​​ “O vínculo se constrói na consistência, na intenção e no afeto. Não é preciso ser perfeito, basta ser comprometido. Mesmo em casos de separação, pode ser mantido com presença de qualidade, contato regular e participação nas decisões importantes da vida da criança. Entendendo que o vínculo é construído na cumplicidade, no respeito e no amor, e não na quantidade de horas juntos”, finaliza.